Fotos : ASPAFF EM AÇÃO

terça-feira, 25 de abril de 2017

Por um Brasil com segurança hídrica

Apesar de mais de 70% da superfície da Terra ser coberta por água, menos de 1% é própria para consumo. O Brasil, o país com a maior reserva de água doce do mundo; a maior área úmida do mundo – o Pantanal, e o segundo maior rio do mundo – o Amazonas, enfrenta o crescimento populacional, o aumento do consumo de água, o desmatamento e as mudanças climáticas nas cidades e áreas rurais. Devemos repensar nossas ações se quisermos um Brasil com água para todos nos próximos anos.

A Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9433/97), criada há 20 anos, proporcionou diversos avanços.  A gestão das águas passou a ser descentralizada, participativa, tendo a bacia hidrográfica como unidade territorial e voltada a harmonizar o uso desse recurso para os diferentes fins e a água passou a ser definida como bem de domínio público, limitado e dotado de valor econômico - seu consumo passa então a ser racional e devidamente remunerado.

Entretanto, muitos instrumentos que garantiam a efetiva participação dos múltiplos atores na gestão das águas não se concretizaram na prática, como por exemplo, os comitês de bacia hidrográfica. Outro grande desafio é a dificuldade de integração das políticas nas instâncias federal, estadual e municipal. Na esfera transnacional tal integração é ainda mais complexa. Isso implica que muitas vezes a agenda de recursos hídricos não consegue influenciar demais políticas públicas diretamente impactantes sobre nossos rios, lagos e nascentes.

Nesse contexto de avanços e limites institucionais, temos vivenciado impactos crescentes nos ecossistemas aquáticos, resultando em perda significativa da biodiversidade, com o consequente comprometimento da sobrevivência econômica e cultural de diversas comunidades cujos modos de vida estão diretamente vinculados à água. O ainda recente desastre ocorrido no rio Doce, em Mariana, Minas Gerais, é um exemplo de que é impossível dissociar as agendas ambiental, econômica e social.

Em curso no país, estão em planejamento inúmeros grandes empreendimentos – barragens e hidrovias – com potencial de alterarem irreversivelmente os regimes dos principais rios brasileiros, com consequências que extrapolam as dimensões locais ou regionais. Preocupantemente, tal processo avança em paralelo à um processo legislativo de fragilização dos ritos de licenciamento e controle.

A população convive, na cidade e no campo, com sistemas de saneamento com baixa cobertura e eficiência, agravando os problemas de saúde pública. Os rios brasileiros sofrem com a falta de saneamento, a poluição de origem urbana, a contaminação por agrotóxicos e, em muitas regiões, os graves impactos da mineração irregular. Por fim, crises importantes de abastecimento vêm impactando grandes centros urbanos, como São Paulo em 2015 e, atualmente, Brasília.

Para superar todos esses desafios, o WWF-Brasil prioriza o engajamento de toda a sociedade na discussão e gestão da água: cidadãos, ONGs, setores público e privado. Desde a sensibilização do setor produtivo ao aumento do comprometimento das autoridades públicas em ações e estratégias que visem harmonizar a prosperidade econômica e social à proteção e uso sustentável dos ecossistemas naturais, em consonância com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pelas Nações Unidas (ONU).

Nesse sentido, duas iniciativas das quais o WWF-Brasil faz parte têm se destacado: o Observatório de Governança das Águas e o Pacto em Defesa das Cabeceiras do Pantanal. A primeira reúne mais de 80 instituições no monitoramento da gestão dos recursos hídricos de todo o país. A segunda, implementada em Mato Grosso em 2015, reúne mais de 40 instituições na conservação dos rios e das nascentes das cabeceiras do Pantanal - região onde nascem as águas que abastecem a planície e atualmente em alto risco – e já comemora ações concretas, como por exemplo: 70 nascentes em processo de recuperação, 25 famílias beneficiadas com a instalação de biofossas, 76 pequenas propriedades preparadas para receber Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), uma forma de estimular os produtores rurais a protegerem e recuperarem suas nascentes e matas ciliares, bem como adotarem práticas mais sustentáveis em seus modelos produtivos.

Em março de 2018, pela primeira vez um país latino-americano sediará o mais importante encontro sobre águas do mundo: o Fórum Mundial da Água. O Brasil, acolherá em Brasília, líderes e especialistas em recursos hídricos de todo o planeta. Portanto, o país com a maior reserva de água doce do mundo, da maior área úmida e do rio Amazonas tem a oportunidade de mostrar ao mundo que sabemos como gerir nossos recursos. Urge, portanto, que durante esse período possamos traçar o caminho para superar as deficiências mencionadas de modo a ampliar as soluções positivas que vêm surgindo no país pela conservação dos rios, das nascentes e de governança das águas.

É preciso superar o paradigma que atualmente nos define: o país abundante em água, mas que vivencia crises de abastecimento, degradação e contaminação de seus rios, lagos e nascentes.

Mauricio Voivodic
Diretor executivo do WWF-Brasil

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